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20/02/2017

Maria Jovita Wolney Valente – Exemplo de dedicação a advocacia pública


Nascida na pequena cidade de Dianópolis, município pertencente ao Estado do Tocantins, Maria Jovita Wolney Valente preserva na memória a história de uma instituição. De sua sala, instalada no décimo quarto andar do edifício-sede da Advocacia-Geral da União (AGU), além de atuar nas funções que competem a uma procuradora federal, ela acompanha com atenção o desenvolvimento da AGU.

Filha de um produtor rural e de uma tabeliã, a dra. Jovita cursou todo o ensino básico na sua cidade natal, e tendo se mudado para Goiânia para concluir o segundo grau. Seguindo o conselho do avô, que dizia que a família precisava de um advogado, Jovita seguiu rumo à capital federal para cursar Direito na Universidade de Brasília (UnB). Ali, descobriu ter certa familiaridade com os temas discutidos em sala de aula e se apaixonou definitivamente pela carreira que seguiria por toda a vida.

A atuação firme, ao longo dos 22 anos de existência da AGU, garantiu a ela destaque aos olhos dos pares. Em um evento realizado no Congresso Nacional para celebrar o aniversário da AGU, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, fez questão de destacar o trabalho da dra. Jovita. “É uma homenagem que tem de ser feita, como a tantos outros que também contribuíram e que veem, na presença da dra. Jovita nesta sessão, um exemplo de pessoa pública dedicada à realização dessa função da Advocacia”.

Jovita Wolney Valente é a autora do texto A História e a Evolução da Advocacia-Geral da União, no qual apresenta uma visão técnico-jurídica detalhada da instituição ao longo do tempo. Ela discorre sobre a divisão de competências e sobre todo o processo de consolidação da Advocacia-Geral da União.

Nesta entrevista, a dra. Jovita fala sobre a criação da AGU, as mudanças e os avanços da instituição, além de certos desafios enfrentados pelo Judiciário e pela sociedade em geral.

Vamos começar com uma contextualização histórica. Como a senhora ingressou na Advocacia Pública?

A minha vida não tem nada assim preestabelecido. As coisas vão acontecendo naturalmente. Quando terminei o meu curso de Direito na Universidade de Brasília (UnB), eu quis fazer um concurso. Aí, surgiu um concurso para o Incra, eu fiz a prova, passei e fui trabalhar nessa área agrária. Tratava-se de Direito, cartório e trabalho com a terra, tudo o que eu já trazia de casa. Sempre digo que eu era muito feliz trabalhando no Incra. No entanto, houve um período no qual o Incra saiu do Ministério da Agricultura e ficou vinculado à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, cujo secretário-geral era o ministro extraordinário para Assuntos Fundiários, o general Venturini.1E lá fui eu trabalhar ali, isso em 1982. Em 1985, adveio o governo Sarney, e o ministro-chefe do Gabinete Militar passou a ser o secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, o general Bayma Denys. Nesse período, fui convidada para ser a titular da Subchefia de Assuntos da Faixa de Fronteira e da Amazônia Legal, que cuidava de mineração, comunicações e da parte fundiária também. Foi a primeira vez que um civil assumiu um cargo daqueles no Conselho, e eu, a única mulher. Depois, em 1988, recebi um novo convite, desta vez para ser consultora jurídica do Ministério da Reforma Agrária. Voltei para o Ministério, mas, dois meses depois, ele foi extinto, voltando o Incra a vincular-se ao Ministério da Agricultura. Nessa época, em 1991, recebi o convite para vir para a Consultoria-Geral da República.

¹ Danilo Venturini foi ministro extraordinário para Assuntos Fundiários do Brasil entre os anos de 1982 e 1985.

A senhora acompanhou, então, toda a criação da AGU?

Eu não tinha acompanhado, na Constituinte, todo o nascimento da Advocacia-Geral da União. Quando cheguei à Consultoria, estavam às voltas com o projeto de lei da AGU. Foi a primeira vez que tive contato com o assunto. Eu sabia que tinha sido encaminhado um projeto sobre esse tema no governo Sarney, quando, então, o dr. Saulo Ramos era consultor-geral da República. O dr. Saulo tinha começado a elaborar um projeto de lei complementar para a Advocacia-Geral da União, mas não o tinha concluído porque o governo não chegou a um consenso. Quando ele se tornou ministro da Justiça, apresentou o projeto, que foi encaminhado ao Congresso Nacional. Na mudança para o governo Collor, o projeto do dr. Saulo foi retirado, e o novo presidente encaminhou outro projeto. Porém, foram apresentadas tantas emendas ao texto – reputadas como importantíssimas pelos parlamentares –, que o relator do projeto de lei, deputado José Luis Clerot, pediu apoio ao consultor-geral da República, o dr. Célio Silva, para viabilizar algumas daquelas emendas, já que muitas delas diziam respeito a matérias privativas do Poder Executivo, e que, então, não poderiam ter sido de iniciativa do Legislativo. Nessa época, eu já estava lá na Consultoria e passei a integrar o grupo encarregado de examinar essas emendas constitucionais para analisar e indicar quais seriam as aceitas. Feito esse trabalho, o segundo passo seria apresentar um substitutivo do Poder Executivo para o projeto anterior. Foi aviado o substitutivo, que continha um anexo no qual se organizava toda a AGU: todos os órgãos, todos os cargos, tudo! E quando o substitutivo chegou à Câmara, alguns grupos que ali atuavam na época conseguiram que o substitutivo relatado pelo deputado Clerot fosse totalmente alterado, com ênfase para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e, daquela forma, seguiu para o Senado. Nesse ponto, o anexo já tinha ficado para trás. Eu, pessoalmente, não acreditava mais que esse projeto fosse aprovado. Então, mais uma vez as associações se organizaram, destacando-se, entre elas, a Anajur, para recuperar o projeto anterior, que trazia a organização estrutural da AGU. Elas conseguiram fazer essa recuperação, embora não integralmente; mas conseguiram uma boa parte. Adveio, então, o governo Itamar Franco e, contrariando as expectativas, o projeto de lei foi aprovado no Senado. Nós fomos pegos de surpresa, pois não acreditávamos que sairia naquele momento.

E como foram os primeiros passos da AGU? Como essa instituição embrionária tomou forma?

No início foi um desafio. Sancionada a Lei Complementar nº 73, de 1993, tínhamos de fazer essa instituição funcionar. Mas como? A AGU não tinha orçamento, não tinha quadro de pessoal, porque tudo aquilo que tinha ido como anexo não seguira o projeto até o Senado. Era necessário fazer um concurso público para prover os recém-criados cargos de advogado da União. Uma das soluções encontradas à época para viabilizar a aprovação da lei complementar e evitar embates judiciais foi criar três carreiras: 1) a de advogado da União, para encarregar-se da representação judicial, antes a cargo do Ministério Público; 2) a de assistente jurídico, para cuidar das atividades de consultoria e assessoramento; e 3) a de procurador da Fazenda Nacional, responsável pela execução da dívida ativa da União e das ações tributárias. Na época, foi inviável a criação de carreira única. Era tudo muito difícil! A Constituição era nova e, assim, poderiam surgir demandas judiciais sobre temas ainda não devidamente amadurecidos. Por causa desses receios, criaram-se as três carreiras. A nova, a ser preenchida por concurso público; e as outras duas traziam os servidores já titulares dos respectivos cargos. A Constituição dizia também que, enquanto não fossem aprovadas as leis da Advocacia-Geral e do Ministério Público, os órgãos jurídicos então existentes continuariam funcionando como já vinham fazendo. Esses órgãos eram: consultorias jurídicas, PGFN, procuradorias de autarquias e de fundações2. O que significava isso? Que, assim que se aprovasse a lei, todo aquele universo seria abrangido. E o termo era “aprovada”, e não “sancionada” ou “vigente”. Aprovada a lei complementar, cessaria toda a atuação do Ministério Público, que era quem fazia a representação judicial da União. Mas, como ficaríamos sem ter ninguém para representar a União? Tínhamos de contar com as pessoas que estavam atuando, que eram os assistentes jurídicos e os procuradores da Fazenda. E assim foi feito. Antes da sanção da lei complementar da AGU, existia a Consultoria-Geral da República, integrada pelo consultor-geral, o secretário-geral, 10 consultores da República, algumas pessoas detentoras de cargo em comissão e 16 servidores efetivos da CGR. E só! No que dizia respeito à parte consultiva, não tinha problema, pois as consultorias jurídicas continuaram com o seu funcionamento normal. Mas, no que concerne à representação judicial, a lei dava apenas 30 dias para a AGU representar a União em juízo. E quem faria essa representação? A lei nos dava 60 dias para lançar o concurso para preencher os cargos de advogado da União. E agora?

² Art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

Uma situação realmente muito difícil, não?

Com efeito, nós tínhamos esse panorama, e a lei dizia que os prazos processuais ficavam interrompidos por 30 dias. O primeiro advogado-geral da União foi também o primeiro consultor-geral da República, o dr. José de Castro Ferreira. Naquela época, as medidas provisórias eram editadas a cada 30 dias, caso não tivessem sido aprovadas pelo Congresso. Assim, quando se esgotavam os 30 dias, prorrogava-se por mais 30. O primeiro advogado-geral da União foi sucedido pelo dr. Alexandre Dupeyrat Martins. E os prazos continuaram interrompidos até que o dr. Geraldo Quintão foi nomeado advogado-geral da União. O presidente Itamar Franco indicou o dr. Quintão porque ele tinha uma vasta experiência como consultor jurídico do Banco do Brasil, onde fazia consultoria e contencioso. No passado, em muitos casos, o Banco do Brasil era a autoridade monetária. Posteriormente, isso foi transferido ao Banco Central. A vasta experiência do dr. Quintão tornou possível instalar a AGU. Quando ele chegou, a medida provisória que interrompia os prazos em favor da União foi convertida em lei, a qual, por sua vez, concedia apenas um mês para fazer a AGU funcionar integralmente. Com isso, fomos buscar os assistentes jurídicos e os procuradores da Fazenda, a fim de designá-los representantes judiciais da União para atuarem nos processos que estavam chegando. E eram milhares de processos. Muita gente não tinha nenhuma experiência. Antes da Constituição de 1988, os procuradores da Fazenda só faziam a parte de consultoria e da inscrição da dívida ativa da União. Os créditos da União eram executados pelo Ministério Público. Foi com a promulgação da nova Carta que os procuradores da Fazenda passaram a fazer a execução fiscal da União. Portanto, em 1993, já tinham adquirido, naqueles cinco anos da Constituição de 1988, uma pequena experiência com execução fiscal. À exceção de alguns que já advogavam por conta própria (isso não era proibido naquela época), os assistentes jurídicos não tinham experiência judicial. Foi com a dedicação e a garra desses representantes judiciais que a AGU começou a funcionar. Naquele período, o procurador-geral da República transferiu para o advogado-geral da União as ações diretas de inconstitucionalidade que estavam esperando a defesa prevista no art. 1033 da Constituição. O advogado-geral da União é o curador de todas as ADIs. Muitas delas estavam sem andamento. Como não havia advogado-geral da União, o procurador-geral da República designava um subprocurador-geral da República para fazer a defesa das leis atacadas. Assim que foi nomeado o advogado-geral da União, a PGR enviou aqueles processos para a AGU. Esses prazos também estavam suspensos porque todos os prazos contra a União estavam suspensos.

³ Art. 103, § 3º da Constituição Federal: Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

Em 2011, a AGU prestou homenagem ao dr. Saulo Ramos. Naquela ocasião, a senhora destacou a importância de ele ter capitaneado uma luta que nem seria de sua alçada, pois ele era um advogado privado. Como foi a sua relação com ele?

Quando o dr. Saulo Ramos era consultor-geral da República, eu estava fazendo aquele trabalho na Secretaria-Geral do Conselho de Segurança à qual o Incra estava vinculado. Tínhamos algum contato, principalmente sobre assuntos dos quais eu tratava. Mas tive a vantagem de estar no mesmo prédio, no mesmo espaço que ele. Nessa área jurídica, ele foi de uma importância extraordinária porque dois decretos foram fundamentais para organizar a Consultoria-Geral da República: um deles organizou a própria Consultoria, enquanto o outro organizou a Advocacia-Consultiva da União. Já que não contávamos com uma Advocacia-Geral, onde todos os órgãos estivessem dentro da mesma instituição, o que ele fez? Apresentou esse decreto que organizava a Advocacia-Consultiva. Era como um sistema: na cabeça, estava a Consultoria-Geral da República; nos ministérios, as consultorias jurídicas; no Ministério da Fazenda, a PGFN; e nas autarquias e fundações, suas procuradorias. Essa organização deu mais ou menos um norte aos órgãos jurídicos, porque antes todos ficavam soltos. Os termos desse decreto, que veio dar a orientação, foram praticamente copiados no artigo que trata das atribuições do advogado-geral da União. Quase tudo foi tirado desse decreto. Isso nos anos 1986 ou 1987. Além disso, ele criou gratificações para a área jurídica que elevaram os salários, que até então eram muito baixos. Eu me lembro de um dia ele ter dito que, a partir do momento em que fosse criado o sistema Advocacia Consultiva da União, os cofres da União passariam a ter guardiões: o cofre será aberto se o advogado disser que está correto. A ideia da Advocacia-Geral também foi dele, que a apresentou à Constituinte. O dr. Saulo foi fundamental porque, como advogado, ele veio para organizar uma advocacia que atuaria contra a advocacia privada, da qual ele profissionalmente fazia parte. Esse homem chegou aqui, viu uma causa que era nobre, que era boa, e a abraçou. Em todo esse processo de organização da Advocacia-Consultiva da União, da proposta de criar a AGU, o dr. Saulo Ramos não poupava menções à Anajur, à parceria que se estabelecera entre eles.

Ainda durante aquela homenagem, o dr. Saulo Ramos lembrou que, 25 anos atrás, fazer uma menção a “advogado da União” geraria até espanto. Agora, que a AGU completou 22 anos, quais os principais avanços percebidos ao longo desse tempo?

É difícil falar de tudo que mudou. Talvez essa mudança de conceito tenha se feito graças à atuação da própria AGU. Lá no começo, as coisas eram muito difíceis. Justiça seja feita ao Ministério Público: os procuradores eram em um número reduzidíssimo e, embora não estivessem presentes no país inteiro, tinham de atuar no país inteiro, e não só como fiscal da lei. Esse trabalho do MP sempre foi feito em parceria com as consultorias jurídicas e a PGFN. Quando aparecia uma ação contra a União, eles pediam subsídios às consultorias jurídicas, e só depois de receber esses subsídios eles faziam a defesa. Sempre houve essa participação das consultorias jurídicas nos mandados de segurança e em todas as ações que apareciam. Sucedia do mesmo jeito com as autarquias e as fundações. Eles pediam subsídios quando as ações envolviam essas entidades. Por exemplo: quando tinha uma questão agrária, eles buscavam subsídios no Incra. Nos problemas indígenas, era a Funai que fornecia os elementos necessários à defesa. Esse trabalho era em conjunto. Quando foi feita a separação, o que não se tinha aqui era a prática processual. Mas essa prática foi acontecendo aos poucos, e muitos juízes e advogados estranhavam que a União estivesse aparecendo nas audiências. Lembro-me bem de que, no Supremo, quando destacamos dois advogados para acompanhar os casos lá, perguntaram: “o que vocês estão fazendo aqui?” Ao que eles responderam: “estamos acompanhando os processos da AGU”. O número de procuradores da República era muito pequeno. Quando a AGU passou a estar presente em todas as instâncias, e os processos passaram a contar com a atuação dos advogados que acompanhavam os processos administrativos, isso tudo foi recebido com grande admiração. O começo da atuação da AGU coincidiu com a avalanche de processos judiciais referentes aos planos econômicos. Havia um número razoável de ações contra a União, mas os planos econômicos dos anos 1986/1991 multiplicaram o número de processos. A AGU foi se destacando. Ela se fez mais visível nessa parte de representação judicial. Até então, fazia-se a parte consultiva e fazia-se bem, embora não tivesse um comando único do ponto de vista institucional. Nós tínhamos a Consultoria-Geral da República na cabeça do sistema, mas o reduzido quadro da CGR não permitia o permanente acompanhamento das questões. Os temas chegavam à CGR quando havia controvérsia entre ministérios. Hoje há uma busca constante de orientação, de discussão de temas. O mesmo aconteceu com a Procuradoria-Geral Federal. Depois da criação da AGU, foi dado um destaque maior à parte da representação judicial.

A senhora acredita que seja dispensado um tratamento à Advocacia Pública diferente do que é dado às demais funções essenciais à Justiça e ao próprio Judiciário? Em caso positivo, o que fazer para mudar?

Cada um tem um papel a ser exercido. A prestação jurisdicional não é feita apenas pelos juízes. Você nunca vai obter um acórdão ou uma sentença sem a participação do Ministério Público e dos advogados. O juiz não vai atrás do caso para julgar. Alguém vai levar aquele caso a juízo: o advogado das partes e o Ministério Público. Além de levar os casos a juízo, são eles que apresentam as suas razões, e o Judiciário, à vista desses elementos, julga. É por isso que as funções são essenciais à Justiça. Cada um, dentro do seu papel, é indispensável. Não posso comparar as coisas porque elas são incomparáveis. É indispensável cada um no seu mister! Na Advocacia, indispensável mesmo para a prestação jurisdicional é o advogado, seja público, seja privado. Talvez por isso a OAB ganhe destaque em relação às outras entidades que fiscalizam o exercício profissional. Os advogados fazem parte desse tripé da distribuição da Justiça. Evidentemente que a atividade-fim de distribuir a Justiça é do Judiciário. Mas ele conta com as outras funções que lhe são essenciais, e eu diria indispensáveis.

Durante o tempo que a senhora participou da AGU, alguns advogados-gerais da União que passaram por aqui chegaram ao STF, a exemplo dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Qual a importância de ministros provenientes da Advocacia Pública passarem a integrar tribunais superiores?

Antes isso acontecia com os procuradores-gerais da República também. O último deles foi o ministro Sepúlveda Pertence4. Era um caminho natural o procurador-geral da República chegar a ministro do Supremo, assim como também era natural que os consultores-gerais da República chegassem ao Supremo. Se compararmos a lista de consultores-gerais da República com a lista dos ministros do STF, vamos encontrar vários nomes nas duas relações, desde Rodrigo Octávio a Celso de Mello5. Portanto, não é novidade que os advogados-gerais da União sejam nomeados ministros do STF, como ocorreu com os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. É natural, porque, quando alguém passa por um cargo como o de advogado-geral da União, ganha uma visibilidade muito grande e tem um leque de assuntos para atuar que o torna muito preparado para a função. Essa pessoa acaba se inteirando de tudo o que se passa no País. O fato da passagem pela Advocacia-Geral da União credenciar a pessoa a assumir aqueles cargos só aumenta a nossa responsabilidade. A AGU tem hoje uma visibilidade muito grande por essa atuação cotidiana, que é uma atuação também para evitar prejuízos. A AGU evita grandes perdas à União porque hoje temos um aparato de advogados e contadores que ajudam muito nisso tudo. Com o tempo, a AGU foi crescendo, não só aos olhos do Judiciário, mas também aos da sociedade. Todos sabem que seus servidores não são mais aqueles iniciantes que, lá em 1993, começaram uma atividade nova. A AGU vai, a cada dia, se organizando mais e melhor. É também o que acontece com as carreiras da Casa. Antes tínhamos muitas divergências de carreiras que, depois, foram se harmonizando. Hoje vivemos um momento importante de agregação.

4 José Paulo Sepúlveda Pertence foi ministro do Supremo Tribunal Federal entre os anos de 1989 e 2007.
5 Consultores-gerais da República que foram nomeados ministros do STF: Rodrigo Octavio, Aníbal Freire, Hahnnemann Guimarães, Themístocles Cavalcanti, Costa Manso, Carlos Medeiros Silva, Gonçalves de Oliveira, Victor Nunes Leal, Luiz Rafael Mayer, Clóvis Ramalhete, Paulo Brossard e Celso de Mello (interino).

Hoje está plenamente estabelecido que o papel da AGU é de uma Advocacia de Estado, e não de Governo. Porém, ainda é preciso que as entidades continuem reforçando esse ponto. Por que a senhora acha que a sociedade ainda confunde esses conceitos?

A Advocacia Pública, embora esteja fora dos três poderes no texto constitucional, foi incumbida de prestar consultoria e assessoramento ao Poder Executivo. Para esse fim, auxilia o Poder Executivo. A instituição não está no Poder Executivo, mas a própria lei complementar e a lei de organização da Presidência da República colocam a AGU como o mais elevado órgão de assessoramento ao Poder Executivo. Essa função de assessoramento ao Executivo é que provoca esses mal entendidos. Na atuação contenciosa, na representação judicial, não há dúvida que ele agirá como advogado de Estado. O advogado público age como advogado de Estado ao defender o bem público da União e das autarquias e fundações. Como assessor do Poder Executivo é que entra essa questão. O advogado-geral e as consultorias jurídicas, para prestarem assessoramento ao presidente da República e aos ministérios, acabam tendo uma convivência próxima às autoridades do Executivo. São eles que fiscalizam juridicamente a legalidade dos contratos, dos convênios e dos demais atos praticados pelos administradores. É uma função importantíssima. Talvez falte a nós, sociedade, entendermos que, quando elegemos um presidente, governador ou prefeito, nós o fazemos para que ele implante as políticas que anunciou. Quando esse administrador entra no governo, ele vai executar aquelas políticas com as quais ele se comprometeu e que foram referendadas pelo voto popular. Por isso, há um programa de governo. Qual o papel da Advocacia Pública? Cabe a ela viabilizar a execução dessas políticas com o oportuno e competente assessoramento jurídico. Isso, contudo, não pode ir contra a lei, nem contra a Constituição. O governante diz o que pretende realizar, cabendo ao advogado público orientá-lo juridicamente sobre como fazê-lo. É esse o nosso papel. O governo precisa de assessoramento jurídico, que é dado pela Advocacia-Geral da União, de acordo com as políticas que esse governo traçou. Há um plano plurianual, há todo um arcabouço de projetos que eles precisam viabilizar. Quando há uma decisão política de construir uma hidrelétrica, por exemplo, o advogado não entra no mérito da construção da hidrelétrica, desde que os órgãos responsáveis pelos estudos, projetos, conveniência, oportunidade etc., tenham se manifestado a favor. O advogado cuida é dos aspectos jurídicos dessa construção. Analisar se ela é necessária, se está no local apropriado, isso cabe ao Ministério do Planejamento, ao das Minas e Energia, ao do Meio Ambiente, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas da União, entre outros, verificar. Cada um dentro da sua atribuição. Os governantes precisam de assessoramento, e a Constituição confiou esse assessoramento aos advogados públicos. O que não se pode é confundir esse assessoramento com a representação judicial da União.

Quais os próximos desafios a serem enfrentados pela Advocacia Pública ao longo dos próximos anos?

Eu acho que tanto a sociedade em geral quanto o Poder Judiciário estão envolvidos nessa mesma bandeira, que é a da diminuição de conflitos. Vamos diminuir as brigas! Vamos resolver amigavelmente as divergências! Se nós levarmos para o Poder Judiciário qualquer desentendimento, o Poder Judiciário ficará resolvendo pequeninas questões, enquanto as grandes vão ficando para trás. A própria sociedade já está chegando ao entendimento de que é preciso conciliar. É preciso mediar os conflitos. Eu acho que essas atividades de mediação, conciliação e arbitragem vão ajudar muito. Inclusive na convivência social. Quando as pessoas entram com um processo judicial, elas levam anos para ver o seu conflito resolvido. E isso acontece não só porque o processo é moroso, mas porque o volume de processos no Judiciário é muito grande. Muitas vezes uma pessoa briga com a outra e só precisa de um intermediário para que se chegue a um acordo. Eu acho que é por meio das conciliações – e não destaco só aquelas que a AGU vem fazendo – que a sociedade chega a um consenso. Que sejam deixadas para o Judiciário as questões mais relevantes, para que ele tenha condições de resolver. Acho que esse é o grande caminho.

Durante o aniversário de 20 anos da AGU, o ministro Adams se referiu à senhora como mentora, planejadora e lutadora no que respeita à AGU: “É uma homenagem que tem de ser feita, como a tantos outros que também contribuíram, e que veem, na presença da dra. Jovita nesta sessão, um exemplo de pessoa pública dedicada à realização dessa função da Advocacia”. Como a senhora recebe este reconhecimento?

Acho que eu sou, nesta parte aqui da área jurídica da Consultoria-Geral da República, a única remanescente. Eu fico muito envaidecida e muito agradecida às pessoas que reconhecem esse trabalho. Não foi, porém, um trabalho feito para ser elogiado. A necessidade de fazê-lo chegou, e eu tive a coragem de dar continuidade a ele, e, aliás, não tenho vontade nenhuma de sair. Mas eu sou muito grata a essas pessoas que reconhecem o trabalho dos outros, enquanto estão vivos. Como se diz popularmente, “é bom que a gente seja homenageada em vida”! São homenagens que recebo com grande alegria porque estou vendo florescer esta instituição que foi fruto de muita luta. Essa não foi uma luta da sociedade. Foi uma luta dos próprios integrantes desta instituição, que precisavam de uma organização para que pudessem fazer bem o seu trabalho. Hoje, vejo com muito bons olhos mais essa luta de conquista da autonomia, para, assim, continuarem a fazer melhor o seu trabalho. Fico muito feliz de estar vivendo este momento. Lamento que pessoas que também começaram essa luta não tenham visto o que vi, o que vejo. O dr. Saulo Ramos ainda viveu para ver que a ideia dele havia florescido. Esse trabalho feito aqui, desde o começo, meio anônimo, foi válido. Fazíamos tudo, num trabalho de formiguinhas. Nós fomos atrás de orçamento, atrás de concurso, atrás de tudo. Hoje vejo que a Casa está construída, abrigando as pessoas, e que essas pessoas lutam pela Casa. Acho que essas novas conquistas, esses novos desafios – pela autonomia, pela conquista de uma remuneração compatível – farão com que esta Casa esteja em igualdade de condições com as outras funções essenciais à Justiça.