“Disciplina é liberdade, Compaixão é fortaleza, Ter bondade é ter coragem” (Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos)
As manifestações populares do último mês, nas ruas de todo o país, nos deram a oportunidade de pensar sobre qual é a sociedade que queremos e aonde chegaremos com as decisões que estamos tomando hoje.
Intelectuais, jornalistas, pensadores, líderes políticos e outros, buscaram atribuir sentidos e significados aos acontecimentos. Também buscamos aqui uma compreensão e tomamos a arte como ponto de partida. A epígrafe do grupo Legião Urbana pode nos dar pistas para se pensar novos (ou não tão novos assim) sentidos para o espaço da política: disciplina como exercício de liberdade, compaixão e não competição como sinônimo, para fortaleza, bondade como ato inaugural de coragem.
Ainda em busca de novos sentidos para a política nos remetemos à filósofa Hannah Arendt (1906-1975). Para ela o sentido da política é a liberdade, capacidade de se construir coletivamente um espaço de reconhecimento e alteridade, espaço de fraternidade e solidariedade, de construção de identidades coletivas, de compartilhamento de visão de futuro que vislumbre um desenvolvimento econômico e social, inclusivo e solidário.
Nos últimos anos, tem-se observado uma retração do espaço da política, um encurtamento da participação social nas decisões políticas. A política tem adquirido contornos de trocas pontuais e construção de lideranças dissociadas de grandes projetos nacionais de emancipação coletiva, salvo raras exceções. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que canais de participação são abertos, como a criação de conselhos e conferências nacionais, percebe-se uma saturação do modelo convencional de acordos entre partidos pautando-se em grande parte na ocupação de cargos para criação de nichos de poder, no entanto ainda são a tônica para se falar sobre política em nosso país.
Ao mesmo tempo em que políticas sociais fundamentadas no princípio da inclusão social foram concebidas e implementadas, dando ao Brasil destaque internacional no enfrentamento da fome e da miséria, outras questões não menos importantes se colocam na cena e alguns questionamentos saltam aos olhos: qual é o projeto nacional? Transformar miseráveis em pobres? Esse é o limite? Ampliar mercados consumidores?
Parece-nos que as novas manifestações populares não consideram isso como o limite de suas aspirações. Se pudéssemos reunir em uma palavra estes acontecimentos poderíamos, a título de exercício reflexivo, buscar na palavra“qualidade” o centro. A inclusão social tem sido um desafio para um país em que a elite tem preferido, historicamente, os acordos de camarilha, baseados na distribuição de concessões e benefícios temporários e não no reconhecimento e ampliação de direitos sociais. No entanto, só há cidadania com usufruto de direitos.
As cenas nas ruas demonstram um novo estágio nacional: a demanda por serviços públicos de boa qualidade. Essa demanda aponta para o entendimento coletivo de que na sociedade do conhecimento o acesso à educação e à cultura, por exemplo, são elementos chave para uma inclusão social plena. Desenvolvemos o conceito de “inclusão subalterna” no esforço de compreender a concepção de políticas públicas de cunho universal, pois quando se trata políticas públicas para os pobres a questão qualidade é secundarizada ou mesmo preterida. Fazer mais com menos. Atender o maior número de eleitores, relegando o cidadão a uma condição subalterna. Acesso à educação, mas não aos espaços de prestígio propiciados somente para aqueles de formação sólida, acesso à cultura de massa, mas sem acesso a bibliotecas de qualidade, essas ações estão imbuídas do principio de não-alteridade, o que “eles” querem é diferente do que “nós” queremos.
Nesse sentido, as ruas reforçam a necessidade de enfrentamento de um desafio secular, qual seja a ampliação do acesso aos serviços públicos com qualidade. Peguemos como exemplo a universalização do ensino fundamental que ocorreu há pouco tempo em nosso país. Muito embora haja uma melhora crescente nos índices oficiais, tais como no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o desempenho ainda é muito baixo: em 2011 a média prevista foi alcançada, atingindo a nota 4,6, no entanto, a expectativa ainda é muito baixa, certamente alcançar a meta aponta para uma melhora no desempenho, no entanto, informa também que nossos estudantes só conseguem assimilar, em média, 46% dos conhecimentos ensinados. Esforços têm sido realizados no sentido de melhorar o desempenho dos estudantes, o ingresso aos seis anos na educação básica, investimentos na formação de professores, mas ainda assim, são ações tímidas quando se observa a dimensão da questão. Em outras áreas sociais também se observa esse padrão, como transporte público sem qualidade e com altos preços. As manifestações populares apontam para a compreensão de que o acesso com qualidade pode chegar muito tarde para os jovens que hoje pleiteiam o ingresso imediato no mercado de trabalho.
Para finalizar, vale ressaltar dois pontos acerca das manifestações. O primeiro foi o bom humor com que as demandas sociais por reconhecimento e dignidade foram apresentadas: o Brasil conseguiu ir às ruas com a sua cara! O segundo foi o conteúdo político de vários cartazes, simultâneo à disputa das forças instituídas pelo sentido das manifestações e de sua gênese.
Um deles particularmente nos chamou a atenção: “Curva Perigosa à Direita!” Esse cartaz se contrapõe a um discurso que tentou se fazer hegemônico: “não aos partidos políticos, não aos sindicatos, não às organizações sociais de cunho reivindicatório”. A quem interessa, portanto, o fim das representações populares coletivas? Historicamente o fim dos partidos, o fim das organizações dos trabalhadores, tem servido a um projeto de sociedade que se manifestou em outros momentos históricos e neles não estava incluso o reconhecimento à diferença, tampouco o acesso aos direitos sociais com qualidade para todos.
E aqui se abre a cisão mais importante destas manifestações, a nosso ver, uma sociedade sem partidos políticos fortes e representativos, sem sindicatos organizados e atuantes, sem associações sociais ativas, interessa a um projeto que foi derrotado nas urnas, um projeto que tem na sua gênese o DNA de uma elite excludente e centralizadora dos bens simbólicos e não simbólicos produzidos coletivamente e apropriados inadvertidamente por essa minoria. As manifestações negaram mais uma vez esta proposta. As ruas apontam para um projeto de inclusão social fortemente ancorado no reconhecimento social, na alteridade e na construção de entidades coletivas de representação, enfim na construção da democracia. A restauração do espaço da política como espaço de reconhecimento e liberdade levará certamente a uma trajetória coletiva de grande envergadura com novos caminhos e contornos! Brasil, bem-vindo ao Século XXI!
Magda Lúcio Professora -Universidade de Brasília – Curso Gestão de Políticas Públicas
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